Especialista destaca que estereótipos de gênero contribuem para que os sinais do TEA passem despercebidos
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Foto: Freepik |
O Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março, é um momento de reflexão não apenas sobre conquistas e desafios, mas também sobre as diversas experiências femininas, como a vivência das mulheres autistas.
Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), o Transtorno do Espectro Autista (TEA) é quatro vezes mais comum em meninos do que em meninas. No entanto, essa estatística está diretamente relacionada a fatores como diferenças genéticas, papéis de gênero e um histórico de subdiagnóstico feminino na medicina.
“Ainda há uma grande desinformação sobre o autismo, e quando falamos de mulheres no espectro, o tema se torna ainda mais negligenciado. O caminho das mulheres autistas é marcado por desafios específicos, desde o diagnóstico tardio ou equivocado até dificuldades no mercado de trabalho e na vida pessoal. Precisamos trazer esse debate à tona constantemente”, afirma a psicóloga Thalita Possmoser, Vice Presidente Clínica da Genial Care
Isso acontece principalmente porque muitas vezes as meninas não se encaixam na maioria dos estereótipos do transtorno e tendem a mascaram seus sintomas muito mais do que meninos.
Ser mulher autista: um desafio invisível
Mulheres autistas enfrentam dificuldades no diagnóstico precoce devido à camuflagem social – um fenômeno no qual elas aprendem a imitar comportamentos socialmente aceitos, o que pode mascarar os sinais de autismo.
Na infância e adolescência, seus sintomas costumam ser interpretados de acordo com expectativas de gênero. Por exemplo, hiperfoco pode ser visto como sinal de inteligência, enquanto dificuldades de socialização e comunicação são frequentemente confundidas com timidez ou sensibilidade excessiva.
Para Thalita, os estereótipos de gênero na infância contribuem para que os sinais do TEA passem despercebidos. “Na vida adulta, esses sintomas podem se acumular e levar a quadros de ansiedade e depressão”.
Pesquisas recentes destacam a complexa relação entre depressão e autismo em mulheres. Estudos indicam que mulheres autistas têm maior propensão a desenvolver depressão e ansiedade ao longo da vida. Um estudo publicado no Journal of Abnormal Child Psychology revelou que indivíduos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) são quatro vezes mais propensos a sofrer de depressão ao longo da vida em comparação com indivíduos neurotípicos.
O diagnóstico, portanto, se torna ainda mais complexo. “Meninas muitas vezes não se encaixam nos estereótipos tradicionais do autismo, o que faz com que seus sintomas sejam mais sutis e camuflados. Isso impacta diretamente a identificação do TEA. O diagnóstico tardio contribui para o aumento da depressão em mulheres autistas. Devido a estereótipos de gênero e à manifestação diferenciada dos sintomas, muitas mulheres só recebem o diagnóstico na idade adulta, após anos enfrentando desafios sociais e emocionais sem a devida compreensão. Essa demora no reconhecimento do TEA pode resultar em sentimentos de inadequação e isolamento, agravando quadros depressivos” a Vice- Presidente Clínica da Genial Care.
Camuflagem social e seus impactos
A camuflagem social envolve estratégias para esconder traços autistas e se adaptar às normas sociais. Pesquisas indicam que mulheres, por serem mais pressionadas desde cedo a se comportarem de maneira “adequada” acabam ocultando características do autismo por anos.
Nos relacionamentos, a camuflagem pode dificultar o reconhecimento de padrões de interação prejudiciais. Dificuldades de compreensão social e comunicação podem resultar em isolamento ou até maior vulnerabilidade a relações abusivas, uma vez que muitas mulheres autistas têm dificuldade em identificar comportamentos manipuladores ou estabelecer limites saudáveis.
“Sem um diagnóstico ou apoio especializado, muitas acabam sofrendo em silêncio, sem entender as razões de suas dificuldades e sem acesso às ferramentas para lidar com elas”, Thalita Possmoser.
Como é ser mulher autista no mercado de trabalho?
No mercado de trabalho, a inclusão ainda é um desafio – muitas empresas não reconhecem as necessidades das mulheres autistas e falham em oferecer suporte adequado. O estudo Mulheres Inserção no mercado de trabalho, realizado pela Dieese, revela que o Brasil contava com 90,6 milhões de mulheres com 14 anos ou mais, das quais 47,8 milhões faziam parte da força de trabalho. Já o levantamento da Organização Pan-Americana de Saúde aponta que 70% dos trabalhadores do setor de saúde e social são mulheres.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que 85% dos autistas estão fora do mercado de trabalho. Embora a Lei 8.213/91 estabeleça cotas para a contratação de pessoas com deficiência em empresas com 100 ou mais funcionários, o autismo muitas vezes não é reconhecido como uma deficiência pelos recrutadores, dificultando o acesso a essas oportunidades.
“Participei de um processo seletivo há alguns anos já, para uma vaga em uma grande empresa e quem fez esse processo seletivo foi uma empresa terceirizada, especializada no recrutamento e seleção de pessoas com deficiência. Fui muito bem na entrevista, a recrutadora, super me elogiou, mas eu nunca tive retorno dessa vaga. Não tive qualquer sequência, depois de um tempo em contato novamente com essa empresa, a pessoa que me atendeu ali não sabia que sou autista. Perguntei sobre como eles lidam com currículos, com perfis de pessoas autistas para as vagas de PDC para grandes empresas. E ela me falou que eles não consideram pessoas autistas para as vagas,” relata a autista e TDAH, creator e palestrante, co-fundadora do Meu Mundo Atípico Club com foco em autismo para adultos, Tabata Cristine, que comentou o ocorrido durante sua participação no 2º Congresso Extraordinário da Genial Care e Revista Autismo.
Rede de apoio para mães atípicas: onde ela está?
Muitas mulheres autistas enfrentam dificuldades para acessar redes de cuidado, especialmente quando recebem o diagnóstico na vida adulta ou precisam de suporte para seus filhos atípicos, lidando com sobrecarga emocional e estrutural.
O levantamento “Cuidando de quem cuida: um panorama sobre as famílias e o autismo no Brasil”, promovido pela Genial Care, revelou que 86% dos cuidadores de crianças com TEA são mães, e 47% delas sentem culpa pela condição do filho.
A pesquisa “Retratos do Autismo no Brasil”, também da Genial Care, mostrou que, dentro da amostra de pessoas autistas, 24,2% são, também, pessoas cuidadoras, o que significa que estão no espectro e também são responsáveis por uma criança com o diagnóstico. Das pessoas respondentes, 65% se identifica como gênero feminino, maioria com faixa etária entre 25 e 34 anos (33%).
Assim, além de serem maioria na rede de apoio, as mulheres que são mães atípicas enfrentam desafios dobrados ao equilibrar vida pessoal, carreira e os cuidados com filhos também atípicos.
Mais inclusão para todas as mulheres
Neste Dia da Mulher, é essencial ampliar o debate sobre mulheres neurodivergentes e promover mudanças estruturais para que elas sejam reconhecidas, compreendidas e incluídas em todas as esferas da sociedade.
A maioria das mulheres estão mais expostas a situações sociais e são forçadas a se comportarem de forma “adequada” desde muito cedo, fazendo com que muitas características do TEA sejam ocultadas nesse processo.
Por isso a importância da inclusão e representatividade quando falamos em mulheres autistas, para que cada vez mais diagnósticos e intervenções precoces sejam feitas, ajudando a mudar essa realidade e garantir que todas elas consigam desenvolver suas habilidades da melhor forma possível.
Promover a conscientização sobre o transtorno, criar espaços seguros e incentivar a comunicação aberta e honesta são formas de ajudar mulheres autistas a expressarem suas necessidades e desafios.
“A conscientização e a criação de políticas públicas voltadas para esse grupo são passos fundamentais para um futuro mais igualitário e acessível para todas. Nosso desejo é que datas como essas se tornem um marco para a construção de um mundo mais inclusivo, onde todas as mulheres possam viver com dignidade, respeito e oportunidades reais”, finaliza Thalita
Genial Care
Genial Care é uma rede de cuidado de saúde atípica especializada em crianças autistas e suas famílias. Com várias clínicas em todas as regiões de São Paulo, a empresa combina modelos terapêuticos próprios, suporte educacional e tecnologia avançada para promover bem-estar e qualidade de vida no processo de intervenção. Com uma equipe dedicada de mais de 250 profissionais, a Genial Care tem como propósito garantir que cada criança alcance seu máximo potencial. Saiba mais: Site / YouTube / Instagram / Facebook / LinkedIn